domingo, 16 de agosto de 2009

Cuidar sim, Estigmatizar não

“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”
(Artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos)
A "saúde mental" é entendida como um aspecto vinculado ao bem-estar, à qualidade de vida, à capacidade de amar, trabalhar e de se relacionar com os outros de forma positiva e equilibrada. Os seguintes itens foram identificados como critérios de saúde mental:
1. Atitudes positivas em relação a si próprio;
2. Crescimento, desenvolvimento e auto-realização;
3. Integração e resposta emocional;
4. Autonomia e autodeterminação;
5. Percepção apurada da realidade;
6. Domínio ambiental e competência social.
Nesta perspectiva, subentende-se que a saúde mental vai muito além das doenças e das deficiências mentais. Por outro lado, não existe uma definição de “doença mental” que seja universalmente aceite. Compreende-se por “doença mental” um amplo espectro de problemas patológicos que afectam a mente, usualmente provocando grande desconforto interior e alterando comportamentos. Deste espectro fazem parte queixas a nível do humor, ansiedade, memória, percepção e pensamento. Estes diferentes sintomas, evoluindo e subsistindo no tempo, caracterizam as diferentes doenças mentais, que têm em comum tornarem a pessoa disfuncional a nível pessoal, familiar, social e laboral. A característica fundamental dos sintomas da doença mental, é a sua inconstância, tanto na intensidade como na persistência, tornando o dia-a-dia da pessoa portadora de doença mental único.
A origem da “doença mental” é multifactorial. Aspectos genéticos, meio envolvente, momentos ou períodos importantes (facilitadores / dificultadores) deverão ser considerados. Classicamente, as causas da doença mental, subdividem-se em causas endógenas (resultado de factores hereditários e constitucionais) e causa exógenas (mais reactivas ao acontecimentos do dia-a-dia e menos dependentes da nossa genética, biologia e fisiologia). A certeza plena, é que, e independentemente da sua causa, a doença mental causa sofrimento imenso psicológico, usualmente com repercussões a nível físico, fazendo com que a pessoa portadora de doença mental em fase de descompensação se comporte de forma diferente. Tal comportamento atrai medo, hostilidade, gozo em vez de apoio e compreensão e por fim, sentimentos de estranheza, estigmatização e exclusão social.
Ninguém duvida que há um estigma ligado à pessoa portadora de doença mental! O termo estigma significa marca na pele, um sinal que tanto pode ter sido causado por uma doença, como por um ferro em brasa, ou outro agente causador de uma mancha ou cicatriz, causando vergonha, desonra, ou outro sentimento negativo. Por exemplo, ter o estigma de… “louco”, “maluco” ou “desequilibrado mental”. Insensato (a), preguiçoso (a), imprevisível, incapaz para o trabalho, violento (a) e perigoso (a) são alguns estigmas que discriminam a pessoa portadora de doença mental. Essa discriminação contribui para limitar os recursos ao tratamento, dificultar a interacção social e ainda afectar de forma negativa o curso e o resultado da doença bem como o viver dessa pessoa enquanto ser humano, e como tal, pleno de valor. Estes preconceitos, carregados de negatividade, apenas servem para criar barreiras impedindo a procura de ajuda, pelo medo de serem excluídos, traduzindo-se num retardar do tratamento adequado, e redução da eficácia do mesmo. Tais preconceitos são, em nossa opinião, fruto da ignorância bem como falsas crenças sobre as doenças do foro mental e de uma consciência social moralmente negativa. Esta forma de pensar e agir em sociedade, isola a pessoa portadora de doença mental em relação aos outros, como se fosse uma pessoa marcada, contagiosa. Este agir pela doença mental e não pela pessoa portadora de doença mental conduz a um sentimento de “estranhamento social” conduzido por relações sociais prejudicadas, como se a pessoa fosse um ser à parte, indesejável e por isso, sem razão para ser feliz. Estas vivências, são de tal forma marcantes, que aqueles que se recompõem de uma doença mental escondem-se frequentemente atrás de uma “máscara”, de modo a manter o seu passado secreto. Tal necessidade, é em primeiro lugar, uma forma de não ser rejeitado, desvalorizado, desumanizado no seu mais intimo viver.
Muitos de nós (quem sabe, até profissionais da área da saúde), temos tendência a manter uma imagem estereotipada de pessoa com doença mental. Essa imagem, poderá ser a razão, porque muitas destas pessoas não conseguem concretizar os seus projectos de vida. A sociedade é rápida a colocar-lhes “rótulos”…vejamos alguns deles:
· A doença mental é para toda a vida;
· Pessoas com doença mental são violentas, perigosas, imprevisíveis; preguiçosas;
· A pessoa com doença mental pode contaminar outras com a sua loucura;
· Não se pode confiar em pessoas com doença mental; elas não sabem o que dizem nem o que fazem; tudo o que estas pessoas dizem é insensato;
· A doença mental é deliberada e intencional ("ficam doentes porque querem”);
· As pessoas com doença mental são completamente incapazes de tomar decisões sobre suas próprias vidas (ex., onde morar, o que vestir, o que comer);
· A pessoa com doença mental é incapaz de trabalhar;
· A pessoa com doença mental, ao longo da sua vida, fica progressivamente mais doente, mais incapaz;
· A doença mental é culpa dos pais.
Acreditamos que apenas, e somente, quando a pessoa portadora de doença mental, familiares e a comunidade aprenderem sobre o que é a doença mental, (re) conhecerem as dificuldades vivenciadas e tiverem acesso ao tratamento adequado, é que se começará a derrubar o estigma associado à doença mental. Para tal, torna-se urgente a participação comprometida de toda a sociedade. Tornando-nos mais atentos às doenças mentais, podemos contribuir para criar as merecidas oportunidades a estas pessoas, permitindo-lhes levar uma vida normal e um regresso à comunidade como membros produtivos, auto confiantes e capazes de desenvolverem todo o seu potencial de vida.
(Publicado pela autora na Revista do DN da Madeira a 16.08.2009)

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